Miranda: desinformação sobre regras de funerais gera revolta em famílias de mortos pela covid-19

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“Meu pai não foi velado. O corpo chegou à pax e ficou fechado lá. A gente não pôde entrar. No outro dia o carro foi levar ele pro cemitério, não pudemos  acompanhar, não pudemos abrir, a gente teve que ir num carro atrás. Na hora que chegou no cemitério, tivemos que ficar de longe, não pudemos chegar perto em nenhum momento, a gente não pôde se despedir de nenhuma forma digna”, relata ao Bonito+ um familiar de vítima de covid-19 que prefere não se identificar.

Nestes tempos de pandemia os velórios, sejam de vítimas da covid-19 ou não, são momentos cheios da dor dos familiares e também das dúvidas sobre os protocolos, que precisam ser observados para garantir duas coisas: a segurança das pessoas que desejam prestar suas últimas homenagens e o respeito aos ritos, costumes e tradições de funeral de cada comunidade.

Relatos como o que abriram esta reportagem, de familiares de pessoas que faleceram em decorrência da covid-19, demonstram que a falta de informação e de orientação, tanto por parte do poder público, quanto por parte de médicos e agentes funerários causam uma situação de incerteza e revolta num momento já tão doloroso de despedida dos entes queridos.

Miranda não tem uma regra própria para funerais durante a pandemia e segue normas estaduais. Segundo a Vigilância em Saúde do município, o protocolo vigente para os funerais de covid-19 válidos para Miranda são os constantes da Nota Técnica Covid-19 Revisão 19 da Vigilância em Saúde e da Gerência Técnica de Influenza e Doenças Respiratórias da Secretaria de Estado de Saúde (SES). O documento, de 25 de fevereiro de 2021, autoriza “a realização dos ritos funerários usuais para óbitos decorrentes do covid-19 quando, na data de sua ocorrência, já tenha transcorrido o período de transmissibilidade da doença: tempo mínimo de 20 dias do início dos sintomas (casos graves, críticos ou imunossuprimidos), com preenchimento em declaração de óbito”.

Conforme outra nota técnica da  SES, que “Dispõe sobre Medidas de Biosegurança para Manejo de Cadáveres – Revisão 16/11/2020”, para os corpos que atendem os requisitos acima, “o manejo do corpo com protocolo COVID-19 (saco impermeável e urna lacrada), está suspenso”.

No entanto é preciso destacar: “É o médico que dá o atestado para liberação do velório. A partir de 20 dias do início dos sintomas o paciente já pode ser liberado para efetuar os ritos funerários. Só que tem que ter a liberação da carta do médico que atestou o óbito. É este médico quem vai dizer se já passou o período de transmissão ou não”, explica a coordenadora da vigilância em saúde de Miranda, Mileni Belido dos Santos Benites. O médico, portanto, precisa assinar uma declaração cujo modelo consta nas notas técnicas da SES.

Mas estas informações não foram colocadas de forma clara para alguns dos familiares de vítimas da covid-19 que tiveram seus entes falecendo em unidades de saúde fora de Miranda.

O familiar cujo relato abre esta reportagem conta que no hospital em que seu pai estava internado, em outro município, a declaração de óbito foi assinada pela médica responsável tendo como causa a covid-19. Mas havia mais de 30 dias que o paciente estava internado, o que o incluiria na regra que  autoriza ritos funerários para pacientes que tenham apresentado sintomas há mais de 20 dias. “A gente lutou para mudar o atestado, só que daí, como era noite, a médica tinha ido embora. Disseram pra gente [no hospital] que não podiam mudar, que tinha que ir assim mesmo [atestado como covid]”.  “Daí a pax falou do protocolo, que não podíamos chegar nem perto do caixão, nem arrumar o corpo, nada. A gente se revoltou, mas no fim aceitamos” completa o familiar.

Procurados pelo Bonito+, até o fechamento desta reportagem, os serviços funerários locais não informaram especificamente quais os protocolos seguem.

Um dos instrumentos que embasariam a atitude da funerária citada pela familiar que deu depoimento ao Bonito+, é a nota técnica sobre “Medidas de Biosegurança para Manejo de Cadáveres – Revisão 16/11/2020”. O documento diz que “em atenção as normativas relacionadas a COVID-19, os velórios de pessoas confirmadas por infecção ao vírus em questão e em período ativo de isolamento não deverão ocorrer para evitar aglomeração, para diminuir a probabilidade de contágio e como medida de controle”. Como a médica do pai da familiar que contamos a história aqui não assinou a declaração atestando que o paciente estava fora do período de transmissão, tudo indica que a funerária seguiu o que a determinação estadual orienta: “que o caixão seja mantido fechado, para evitar contato físico com o cadáver, pois o vírus permanece viável em fluidos corpóreos e superfícies ambientais”.

É o procedimento adotado, por exemplo, em outros municípios da região. O Bonito + conversou com uma familiar de outro paciente, falecido em decorrência da covid-19, em Aquidauana. “No dia 11 de agosto [de 2020] já estava doente, falecei no dia 28 de agosto, não pudemos velar, foi muito triste, saiu do hospital, direto para o cemitério”, diz a familiar, que também prefere não se identificar.

A dor dos familiares é agravada pela falta de informação. “A pax deveria ter falado, Porque daí eu ia pegar uma declaração do médico, eu ia por uma roupa no meu pai, eu ia fazer tudo isso. Eles não avisam nada a gente, a gente é leigo, só falam que e o protocolo, que não pode nada”, diz o familiar do pai falecido de covid-19.

O Bonito+ não encontrou  canais claros que informem à população, de forma didática e objetiva, sobre as regras, normas e protocolos que devem ser seguidos. As regras estão em normas técnicas, protocolos e decretos que, na maioria das vezes, não são acessadas pelo grande público. Esta falta de informação acaba por gerar transtornos às famílias já fragilizadas pela perda de seus entes.

“Eu espero, do fundo do meu coração que vocês [Bonito+] consigam esclarecer para as próximas famílias não passarem o que a minha passou. Eu acho que o que a gente sofre hoje, é por não termos conseguido por uma roupa nele [no pai falecido], a gente não ter conseguido se despedir. Então acho que a nossa dor é tripla, das famílias que passaram pelo que passei. Espero que vocês esclareçam para as próximas famílias, porque para a minha não dá mais, não tem como mais tirar meu pai lá do caixão para nos despedirmos dignamente”, finaliza, emocionado o entrevistado do Bonito+.

Aglomeração

Em todos os casos de velórios autorizados, uma das principais regras a serem observadas: a não-aglomeração de pessoas. A fiscalização sobre esta aglomeração, em Miranda, deve ser feita pela prefeitura, que tem poder de polícia administrativa, conforme as normas em vigor no período de pandemia.

Não há informações sobre fiscalização feita pela prefeitura em velórios realizados no município nos últimos meses.

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