CPI da pandemia: fatos continuados

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Requerer uma Comissão Parlamentar de Inquérito é direito constitucional da minoria. No caso desta chamada “CPI da Pandemia”, a sua instalação deve se constituir numa obrigação moral da maioria. Além disso, requerimentos para que comissões de investigação sejam instaladas devem se fundamentar em fato determinado. Neste caso, referimo-nos a fatos continuados.

Fatos continuados porque se espalham, após as imagens assustadoras de Manaus, por outros cantos do País, onde agora também faltam remédios dos mais básicos, leitos, oxigênio. Faltam cemitérios, faltam caixões. O que nos consola é o heroísmo dos agentes de saúde, mas, à falta dessas condições mínimas, o heroísmo também tem seus limites.

Essa mesma continuidade aguça, ainda mais, a nossa obrigação parlamentar. A mídia instituiu uma espécie de comissão de acompanhamento, mostrando esses fatos que nos ensinam que é preciso ir além da indignação.

Não há como negar que o Congresso já cumpriu papel dos mais relevantes em todo esse processo. A falta de recursos não pode ser alegada para que esses mesmos materiais não estejam disponíveis a tempo de salvar vidas. Afinal, aprovamos todos os valores solicitados pelo Governo Federal para um trabalho que, se esperava, seria melhor coordenado e mais eficiente.

Mas o Congresso não pode se contentar com o papel passado, e deixar o agora e o futuro a cargo da sua própria “Comissão de Acompanhamento”. Não devemos continuar, apenas, seguindo os passos dos acontecimentos, sob pena de cumplicidade com o prolongamento da continuidade dos fatos.

Isso porque, ainda que cumprido todos os requisitos legais, manter o requerimento na prateleira fria da omissão não deixa de ser uma adesão velada ao negacionismo vigente. O mesmo negacionismo que desdenha a vacina e não se compromete com os protocolos mais básicos contra o coronavírus, ditados pela ciência. É preciso considerar que foi esse negacionismo um dos principais causadores da gravidade dos fatos determinados que dão fundamentação ao requerimento da CPI. Não é à toa que o negacionismo e o ataque à abertura da CPI da Pandemia são duas faces de uma mesma moeda. Portanto, negar agora a sua instalação aguça a continuidade dos fatos, numa causação circular que foge, cada vez mais, ao desejado equilíbrio.

Argumentar que os trabalhos de uma CPI poderiam atrapalhar o combate ao coronavírus não deixa de ser contraditório. Ora, esta CPI foi requerida exatamente para investigar a ineficiência desse mesmo combate. Esse argumento, se na voz de parlamentares, nega a essência da própria Casa e não contribui para a democracia. Independência entre os poderes não significa falta de controle. Evidente que os negacionistas serão os primeiros a combater a instalação da CPI da Pandemia.

Reconheço que uma CPI não tem o condão da mudança no curtíssimo prazo, ou no prazo que todos desejamos, desejo que não ultrapassaria o limite do agora. Mas, no agora, ainda que ela seja interpretada como uma “Comissão de Pressão”, já terá cumprido o seu papel. O que nos causa comoção e indignação é o momento. Um momento que, aliás, se estende em demasia. Um agora desafiador à própria existência do futuro.

Simone Tebet é senadora pelo MDB do Mato Grosso do Sul, é advogada e presidiu a Comissão de Constituição e Justiça, no biênio 2019/2020

*Publicado no Tendências e Debates da Folha de São Paulo, 27.03.2021

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